Os sinais dos investimentos de Warren Buffett

O guru está a vender ações e apostar em força nos títulos de dívida numa altura em que os retornos são atrativos devido à subida dos juros.

“As pessoas que possuem dinheiro e títulos equivalentes sentem-se confortáveis. Mas não deviam. Optaram por um ativo de longo prazo terrível, que não paga praticamente nada e que certamente vai perder valor”. A frase é de Warren Buffett, considerado por muitos o maior guru dos mercados e cujos investimentos e conselhos são seguidos muito atentamente por todos no mundo financeiro.

Com 93 anos de idade, Buffett concentra os seus investimentos na Berkshire Hathaway, uma das maiores empresas norte-americanas (mais de 700 mil milhões de dólares de valor de mercado) que tem avultados investimentos financeiros em empresas cotadas e também controla a totalidade do capital de diversas companhias.

Os seus resultados trimestrais e os relatórios com a composição da carteira de ações e outros títulos, também publicados todos os trimestres, são escrutinados ao detalhe, para o mercado avaliar as movimentações de Buffett nos mercados.

Os dois documentos foram publicados nos últimos dias e evidenciam que, apesar do momento positivo das bolsas em 2023, Buffett permanece cauteloso com o investimento em ações, não vê oportunidade para realizar uma grande aquisição e prefere reforçar em ativos de baixo risco.

Uma tendência que parece contrariar a frase que inicia este artigo, mas que bate certo com muito dos outros ensinamentos que Warren Buffett tem transmitido ao longo da sua vida. São muitas dezenas as frases que o investidor já celebrizou, onde se conclui que o guru é um defensor acérrimo do investimento no longo prazo, da disciplina e paciência.

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“Cash is King”

Aproveitar as oportunidades que o mercado oferece é uma das premissas de Buffett e é isso mesmo que o investidor está a fazer nesta altura. A Berkshire Hathaway chegou a setembro deste ano com uma posiçãode liquidez (“cash”) de 157,2 mil milhões de dólares, o valor mais elevado de sempre e que representa um aumento de 10 mil milhões de dólares nos últimos três meses.

Para se ter uma ideia, esta soma equivale a mais de metade do PIB de Portugal. Daria para comprar a totalidade do capital da TotalEnergies, a maior petrolífera europeia e a oitava companhia mais valiosa da Europa.

Mas este dinheiro não está “parado no banco” com remunerações diminutas. A classe de ativos “cash” também inclui uma série de títulos de dívida de curto prazo e fundos do mercado monetário. Ativos muito líquidos (facilmente convertidos em dinheiro) e de baixo risco.

Depois de uma série de subidas muito agressivas das taxas de juro por parte dos bancos centrais para combater a escalada da inflação, estes títulos estão atualmente a oferecer retornos muito interessantes, na ordem dos 5% no mercado norte-americano.

É por isso que 2023 fica marcado pelo regresso da expressão “cash is king”, com os analistas a recomendarem investimentos em títulos de dívida de curto prazo e equivalentes, pois o retorno elevado reduz a atratividade de ativos com maior risco e rendibilidades mais incertas.

Apesar de confessar que não gosta desta classe de ativos, Buffett está a aproveitar a oportunidade atual do mercado de rendibilidades elevadas nas aplicações em “cash”. Os resultados mostram que a aposta está a ser certeira. Entre julho e setembro, as aplicações de Berkshire renderam 1,7 mil milhões de dólares em juros. Nos 12 meses até setembro, os pagamentos ascenderam a 5,1 mil milhões de dólares, superando os ganhos obtidos nos três anos anteriores.

Além de estar a aproveitar a oportunidade de juros elevados nos títulos de risco reduzido, a constituição de uma poderosa posição de liquidez também dá a Buffett um maior poder de fogo quando surgir uma oportunidade para realizar uma grande aquisição. Há vários anos que a Berkshire não realiza um compra de dimensão elevada, mas está preparada quando ela surgir. 

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Ordem para vender ações

No terceiro trimestre a Berkshire encaixou 5 mil milhões de dólares com a venda de ações de cotadas norte-americanas e do resto do mundo, elevando o desinvestimento nos últimos 12 meses para 40 mil milhões de dólares. Ainda assim, as vendas foram menos intensas do que no primeiro trimestre (8 mil milhões de dólares) e no segundo trimestre (10,4 mil milhões de dólares).

O relatório com as alterações na sua carteira, divulgado nos últimos dias, mostra que a holding de Buffett alienou todas as ações que detinha em empresas como a General Motors, Johnson & Johnson e Procter & Gamble. Reduziu posições em várias companhias (destaque para a HP, Chevron e Amazon) e reforçou apenas numa e investiu em duas novas.

O pouco entusiasmo com as perspetivas de Buffett para as bolsas também é visível na menor aposta da Berkshire nas suas próprias ações. À falta de melhores alternativas, a holding tem remunerado os seus acionistas através de avultados programas de recompra de capital próprio. No terceiro trimestre gastou 1,1 mil milhões de dólares, abaixo dos 1,4 mil milhões de dólares nos três meses anteriores.

Esta posição vendedora de Buffett surge num ano em que os mercados de ações estão a registar um comportamento positivo a nível global, compensando parte das fortes sofrida em 2022. O índice que mede o desempenho das bolsas mundiais acumula ganhos de dois dígitos em 2023 e o norte-americano S&P500 valoriza mais de 15%.

No terceiro trimestre a evolução foi negativa, com os índices a corrigirem dos máximos do ano atingidos no final de julho perante a mensagem transmitida pelos bancos centrais de que as taxas de juro vão permanecer elevadas por mais tempo. A desvalorização de Wall Street atirou a Berkshire para prejuízos de 12,77 mil milhões de dólares, uma soma que não tira o sono a Buffett, pois reflete perdas potenciais e o guru é um investidor de muito longo prazo.

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Elevada concentração

Apesar deste movimento de vendas mais recente, Buffett continua a ser um investidor de peso nos mercados acionistas, sobretudo nos Estados Unidos. No final de setembro tinha uma carteira de ações avaliada em 318 mil milhões de dólares, precisamente o dobro do montante disponível em “cash”.  

Os investimentos de Buffett na bolsa desafiam um dos conselhos mais frequentes que são dados aos investidores em geral: diversificar a carteira é uma das melhores formas de baixar o risco. Buffett não é um investidor qualquer e sempre defendeu que “diversificar é uma proteção contra a ignorância” e “faz pouco sentido para aqueles que sabem o que estão a fazer”.

Apesar da dimensão da carteira de investimento em ações, esta inclui apenas 45 cotadas nos EUA. Acresce que as cinco empresas com maior peso representam 79% do portefólio, uma concentração muito elevada e que contraria a sugestão de não colocar os ovos todos no mesmo cesto. A lista das 10 maiores posições pesam mais de 90% do total.

A Apple é de longe o maior “ovo”. Já representa metade do investimento em ações da Berkshire (39% no final de 2022), numa posição avaliada em 156,8 mil milhões de dólares no final de setembro. Buffett não tem escondido elogios à fabricante do iPhone, classificando a companhia mais valiosa do mundo como o melhor negócio em que a Berkshire investe.

Entre as restantes ações com importância mais relevante na carteira da Berkshire (ver gráfico) destacam-se companhias do setor financeiro (Bank of America, American Express, Moody’s), do petróleo (Chevron e Occidental Petroleum) e dos produtos de consumo (Coca-Cola e Kraft Heinz).

Fazendo jus a estatuto de investidor de muito longo prazo, Buffett faz poucas alterações à sua carteira e é acionista de longa data das companhias com maior peso. A Coca-Cola é um dos exemplos mais clássicos, com o guru a entrar na fabricante de bebidas logo após o “crash” de 1987, continuando acionista até hoje (detém 7% do capital).

A entrada na Apple é mais recente, mas aconteceu na altura perfeita. A Berkshire começou a comprar ações em 2016 (hoje é um dos maiores acionistas com 5,6% do capital), altura em que a companhia negociava a 11 vezes os lucros. Desde então o valor das ações da Apple aumentou mais de seis vezes e a tecnológica está a transacionar a 30 vezes os lucros.    

O desempenho da Apple ajuda a explicar o forte retorno que a Berkshire dá aos seus acionistas. As ações da Berkshire (cada uma vale mais de 500 mil dólares) valorizaram 229% em 10 anos, superando o retorno do S&P500 (180%). No espaço de 20 anos as ações da holding multiplicaram de valor por sete vezes, enquanto o índice de ações norte-americano quadruplicou.  

Desde que assumiu a liderança da Berkshire em 1965, as ações da cotada valorizaram 4.300.000%, o que representa um retorno médio anual em torno de 20% em seis décadas. Uma performance que ajuda a explicar porque Buffett é visto como o melhor investidor de sempre e as suas frases são mandamentos para os mercados.

Em baixo estão mais três frases icónicas de Buffett e que ajudam a perceber os investimentos do guru dos mercados financeiros.

“Se não está pretende deter uma ação durante 10 anos, nem pense em detê-la por 10 minutos”.

“Investir com sucesso exige tempo, disciplina e paciência. Não importa o talento ou o esforço, algumas coisas levam tempo: não é possível ter um bebé apenas num mês, mesmo que engravide nove mulheres”.

“As oportunidades surgem com pouca frequência. Quando chover ouro, utilize um balde e não um dedal”.

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Nasceu em 1977, sendo jornalista desde 1999. Iniciou a carreira no Jornal de Negócios, onde esteve mais de 20 anos, ocupando várias funções, sempre com foco no online. Atualmente é jornalista independente, assina a newsletter diária de mercados Morning Call e colabora de forma regular com o ECO. Formado em Gestão no ISEG, tem especial interesse por tudo o que está relacionado com os mercados financeiros.

A informação que consta no artigo não é vinculativa e não invalida a leitura integral de documentos que suportem a matéria em causa.

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